sexta-feira, 2 de setembro de 2011

Relatividade



Caminhava os dedos por seu corpo, contornando o osso de seu quadril.
- Você tem tantas cicatrizes - sussurrou, demorando-se em uma delas.
- Há muita vida para trás - disse sorrindo, sem abrir os olhos.
- Não é tão velha assim - comentou pousando a mão acima do seu umbigo.
- É que os anos passam lentamente para mim - explicou colocando a palma da mão sobre a dele.
- Com a sua velocidade, até o vento machuca.
- E ensina. Onde você quer deixar a sua?
- Estou só de passagem.
- Olhares cruzados com estranhos na rua me marcam. O que importa é a intensidade.
- Então aqui - decidiu-se beijando suavemente a fenda entre seu pescoço e a clavícula sobressalente.
Continuaram deitados em silêncio por algum tempo. Os dedos dele passeavam divertindo-se por sua pele.
- Nossa, como é funda essa - constatou palpando uma lesão profunda logo abaixo de seu seio direito.
- Tem vento que entrega de menos e leva demais.

quinta-feira, 18 de agosto de 2011

Cada tom da tua cor



A mulher olhou em volta do quarto. O sol batia gentilmente na janela, fazendo o quarto se encher de um vermelho doce e tremulante com o dançar do vento na cortina. Do lado oposto, um quadro colorido decorava o vazio da quase manhã, enquanto a mulher esfrega a mão nos olhos. Cada unha tinha uma cor: verde, amarelo, azul, rosa, laranja, vermelho, preto, roxo, cinza, apenas o menor dedo da mão esquerda sem esmalte. Ela olhou para seus dedos e viu a maquiagem preta acidentalmente retirada. Levantou-se enrolando o lençol branco no corpo e foi em direção ao espelho vagarosamente. Os dedos se fechavam longos, delicados e firmes, segurando o pano na altura dos seios. Os passos pequenos silenciosamente atravessaram o recinto. Quando alcançou a penteadeira virou-se para o seu reflexo. Piscavam para ela dois olhos muito verdes e profundos, diminutamente tristes. Ela levantou a mão livre e limpou o rímel borrado debaixo dos olhos. Suas bochechas limpas mostravam um desenho impecável de sardas, que pintavam seu nariz da mais perfeita inocência. Seus dedos agora contornavam o restante do batom vermelho que ainda permanecia nos seus lábios volumosos e ainda mais coloridos que o brilho industrial. Enrolou os dedos pelos cabelos ruivos num devaneio praticamente inconsciente, embaralhando seus suaves cachos, que iam sem aviso descansar nos ombros, mas acabavam errando o caminho misteriosamente, pelas viradas inconstantes da noite. Uma freada brusca na rua despertou a mulher de seus pensamentos e a fez olhar para trás.
Na cama, em meio a cobertores e travesseiros, dormia profundamente um homem. Todo seu corpo estava misturado a embriaguez da situação e a mulher não fazia o mínimo esforço para discerni-lo. Certificada a ausência do companheiro, a mulher deixou escorregar o lençol por seu corpo e seguiu para a porta ao lado da janela. Era um banheiro pequeno, branco como o quarto, com uma ducha generosa. Assim, ela ligou o chuveiro. A água quente corria pelo corpo da mulher contornando suas curvas e lavando sua alma. As mãos pegaram uma bucha e sabonete, passando-os rudemente por cada ínfimo de sua pele. Após alguns minutos se enrola numa toalha, abre a porta do banheiro e volta ao quarto. Com passos largos, deixa pegadas molhadas marcando o caminho que faz para recuperar todas as peças de roupa. Coloca a calcinha, blusa e sutiã dentro da bolsa e veste apenas uma bermuda jeans que marcava o meio de sua coxa bem torneada, e uma blusa de moletom, tirada da bolsa, que escondia o quadril largo e a cintura fina. Ela bate a toalha no cabelo rapidamente e a deixa em cima da penteadeira cheia de chocolates em sacolinhas transparentes. Sem olhar para trás, ela pega os sapatos de salto e abre a porta. O barulho desperta o homem, que agora senta na cama e observa a mulher. Ela para e dá dois passos para trás sem tirar os dedos da maçaneta.
-Não vai nem deixar dinheiro? - diz ele com um sorriso zombeteiro nos lábios. O homem era agora completamente visível. Seus cabelos eram lisos, muito escuros, e grandes apenas o suficiente para que seus dedos passeassem pelo couro cabeludo, como certamente o fez. Os olhos cor de mel formavam com o sorriso e a barba mal feita um ar de permanente brincadeira.
A mulher riu um riso torpe, de pedido de desculpas. Como se tivesse ao mesmo tempo resposta e pedido, fechou a porta, deixou os sapatos no chão e sentou-se na cama.
-Eu sinto muito - disse olhando para o emaranhado de tecido por entre seus pés e os dele. Ele colocou as mãos em seu queixo e a fez levantar os olhos. Arrumando sua mecha vermelha atrás da orelha, disse:
-Eu não. - e pressentindo mais uma fuga, declarou, com os olhos perfurando a alma esverdeada em sua frente - Eu sou miseravelmente apaixonado por você.
A mulher olhou completamente aturdida e confusa para o homem que simplesmente sorria com covinhas se formando ao lado da boca perfeitamente delineada. A boca da mulher, por sua vez, se abria e fechava quase instantaneamente, repetidas vezes, num esforço inútil de defesa. Alguns segundos ou dias ou talvez  algumas primaveras floridas mais tarde, ela disse:
- Você nem me conhece. - Ele sorriu de novo, como se esperasse por essa resposta muito antes dela desconfiar que precisaria dizê-la.
- Você não me conhece mesmo, mas eu, ah, eu sei tudo sobre você. Ontem, quando nós fomos apresentados, eu já te achava linda. Já sabia que você  estudava cinema, que seu cabelo fica indescritível contra a luz do sol, que você caminha olhando para frente, como se nada pudesse te impedir de continuar. Sabia que você vai na praia todo sábado à tarde e espera escurecer para sair da areia. Depois de ser formalmente seu conhecido, eu descobri que também é muito inteligente e divertida, que tem um charme incomparável e um poder de sedução impagável. Descobri que você nunca encontrou o que procura e por isso acha que tem um vazio no olhar. Mas você está errada. Seu olhar brilha e muito exatamente porque você não desistiu de tentar. Sei que você dança incrivelmente bem com um copo de Margarita na mão, mas não sabe o que fazer quando as duas estão vazias. Sei que parecia encantadoramente bêbada, mas estava irritantemente lúcida. Sei que me escolheu como vitima da noite pelo mero acaso de eu entender sua piada sobre aquele filme. Sei, bem, na verdade, isso eu só suponho, que você não esperava acordar tão tarde. Sei que fica linda de maquiagem borrada, cabelo molhado e blusa larga. De novo, suponho que não goste do dia seguinte, que ninguém antes tinha acordado, que você evita despedidas, que pagaria metade da conta na saída. Principalmente, eu sei, e isso eu sei mesmo, que nada do que eu disser vai mudar o fato de que você vai sair por esta porta de costas para mim, sem acreditar em nada do que eu tenha dito ou em qualquer promessa que eu vá fazer. Talvez porque eu não saiba sua cor preferida, ou o tipo de musica que odeia ou o livro que mais leu, ou porque eu nunca te ouvi cantar. Mesmo nós dois sabendo que o pouco que sei de você é muito mais importante que todo o resto que você não vai me deixar descobrir. Mesmo que nós dois tenhamos assistido conscientemente o seu teatro de um ritual que não merecia ser repetido essa manhã.
A mulher se levantou decididamente impressionada e desconfortável. Quando sentiu seus pés no chão e o mundo derrubar tudo de volta ao seu lugar, olhou para o homem sentado na cama e sorriu o sorriso mais verdadeiro de toda sua vida gravada em 9 mm.
-Você não sabe minha flor predileta. - e foi embora como os dois sabiam que faria.
Ele só não sabia que ela parou atrás da porta porque desde o começo de seu discurso não conseguia respirar. Tanto ele sabia, mas ignorava que enquanto juntava suas roupas ela ainda não saíra do lugar, seus pés de chumbo não conseguiram mover mais do que a boca para repetir o nome dele. E as três letras se uniram numa só silaba para passear por todo seu corpo e dançar na sua língua. Tom, Tom, Tom. Aquele nome parecia pertence-la como apenas um destino pertence a uma estrada. Tom, Tom. E ela fechou os olhos, respirou fundo, ergueu a cabeça e começou a andar. Tom. Dentro do quarto, ele terminava de vestir sua roupa. Uma calça jeans azul, uma camiseta de alguma banda inglesa dos anos 80 que ninguém além dele havia escutado, e um All Star preto de cano médio. Pensou ter ouvido um barulho do lado de fora, de um pulo abriu a porta com a camiseta meio vestida e falou um tanto quanto alto, sem gritar:
-Scarlet?! - e silencio.
Scarlet estacionava na porta de seu apartamento numa pressa homérica de subir as escadas e desfalecer-se no chão de sua sala sem mexer um músculo sequer, para ser possível, talvez, pensar. Morava no quinto andar e sempre subia as escadas. O porteiro era acostumado a ver a moradora chegar em casa às sete da manhã, mas ela estranhou quando quase no segundo andar ouviu uma voz do inicio das escadas:
-Dona Scarlet, preciso falar uma coisa pra Senhora...
-Agora não, Seu André - Scarlet respondeu sem hesitar um degrau. Chegou sem demora em seu recanto, entrou e deitou no chão da sala. Antes de começar a pensar, seu olho piscou ao contrário e ela reparou algo fora do comum. Levantou-se assustada e viu vários buquês de cravos vermelhos e brancos, e alguns vasos de amor-perfeito de cores diferentes na mesa de centro. Atônita, recolheu um bilhete que encontrou em um dos vasos e leu: “Nem você sabe sua flor predileta, Scar. ps.: You’re so cool.”. Com um sorriso escondido nos lábios, Scarlet despencou no piso e dormiu entre as suas flores até o entardecer.
Acordou com o pôr-do-sol, colocou um maiô, um vestido e saiu descalça com o objetivo comum dos sábados. Como em qualquer outra semana, sentou na areia até escurecer. Na hora em que costumava ir embora, abandonou o vestido e mergulhou no mar. Depois disso foi para a calçada e viu a pedra em que sentava para observar o céu à noite. Caminhou até ela e sentou ao lado do homem que já se encontrava ali. Não falaram nada por muito tempo, o vento eternizando a noite e moldando suas faces. Até que Scarlet declarou quase num sussurro: "Minha flor predileta é Flor de Lótus”. Tom riu, e ainda sem olha-lá respondeu: “Eu sabia, claro, mas onde acharia uma dessas às cinco da madrugada?... Mas eu sei que você vai deixar essa passar, afinal, eu uso o tipo certo de cueca.”. Scarlet balançou positivamente a cabeça, degustando o riso: “ Samba canção, é... Não tem como dispensar um cara com o tipo certo de cueca. Estão difíceis de encontrar, esses, sabia?”
E seus olhares se cruzaram.

domingo, 7 de agosto de 2011

Uma vida em 15 dias (e todo amor que cabe nela)




Foi a sensação mais estranha do mundo, como se nunca mais fosse ser a mesma pessoa. E provavelmente não serei. Umas quarenta pessoas maravilhosas entraram na minha vida com data marcada pra sair, assim como várias outras já o fizeram. Mas essas outras não me marcaram tanto, não vieram com tantas boas recordações ou injeções de adrenalina. Vou escrever esse texto especialmente pra vocês, que estiveram comigo nesses quinze dias inesquecíveis, porque preciso tirar essa vontade de ficar com vocês do peito e colocar em algum lugar enquanto ainda queima, para que se torne imortal bem da maneira que estou sentindo. 
Se me dessem um mapa mundi para escolher o destino de minha viagem, não escolheria a Disney, nem mesmo Nova York. Se me pedissem para escolher com quem viajar, não escolheria quarenta mineiros desconhecidos. Mas foi isso que ganhei. Quinze dias de Disney, Nova York e vocês. Lembro como se fosse ontem, exatamente tudo no aeroporto. Primeiro falei com a Vitoria na fila, perguntei se podia passar. Depois a confusão com os vôos no Rio, conversei com a Bruna, Anninha e Ana Beatriz. Na sala de embarque o Henrique veio chamar pro portão, perguntou de onde a gente era ("Longe pra caralho!"). Depois o Yuri cantou uma musica sertaneja que tem Goiânia na letra, que até agora não faço idéia qual era ( "Vocês não gostam de sertanejo né?" ). Depois todo mundo saiu correndo pra ver a Deborah Secco. Ah, sou suspeita, sempre gosto das pessoas primeiro, e gostei de vocês logo de saída, e que saída longa…36 horas sem tomar banho é pra fazer amizade duradoura, viu?! O sofrimento une as pessoas, e aquele City Tour de 7 horas foi de matar. Nova York é surreal e cada um de vocês faz parte da cidade que nunca dorme, ela só existiu pra mim porque estavam lá. Quatro dias foram praticamente um mês. Acordar cedo e dormir tarde fez maravilhas com as poucas horas que tínhamos. Esticaram-se eternamente naquele calor infernal. Merecíamos que a Quinta Avenida tivesse um ar condicionado gigante. Se bem que quando o Yan tirou a camisa na Abercrombie até o calor deu um descanso. E eu acho limosines sem graça, mas Laurinha e Vi numa Hummer fizeram uma hora e meia durar para sempre, com fundo musical do Felippe. 
Pliim, num passe de mágica e mais duas horas de vôo, chegamos em Orlando. Ana estava certa, é realmente mágico. O Yuri não conseguiu acabar com o encanto dos príncipes… eles meio que fizeram isso sozinhos. Agora o hotel tinha piscina, as noites começaram a render tanto quanto os dias. E como esses dias renderam, todo mundo emagreceu comendo hambúrguer. SuperSizeMe era fraco isso sim, manda ele visitar todas as atracões de cada parque de Orlando pra ver. Todos começaram também a dormir nas paradas. Cada fila que entrávamos eram cinco cochilando. Sem contar no teatro do Nemo, Muppets, e no lendário e radical "It's a small world" ( até no Cirque du Soleil ;x ). Ainda bem que existiam as montanhas russas para nos acordarem. E os gritos de pânico da Ana!! 
Pânico mesmo foi na hora de ir embora. Anna Mel derreteu o coração de todo mundo e me matou de inveja, eu também quero um caderninho de autógrafos daquele. Confesso que não chorei porque vocês ainda estavam todos do meu lado. Contudo, a Depressão Pós Disney é verdadeira. Nada mais tem sabor, me impressiona. Enfrentar filas sozinha e andar na rua sem seguir uma bandeirinha é tortura. Voltar a vida real é muito difícil sabendo que vocês estão muito mais longe que uns passos do quarto do hotel, que o telefone não vai tocar seis da manhã, que eu não vou ver a Minnie andando na rua. Que nunca vou me divertir tanto com três bêbados como Cicero, Matheus e Marcio; que o Marco Tulio não vai me segurar quando eu tiver medo de avião, que o Henrique não vai me ensinar passos de dança, que o Yuri não vai dançar axé no meio da rua, e a Ana não vai estar do meu lado pra rir da cena. Que a Gabi não vai reclamar da espera, do calor e das filas, que não vou ouvir os comentários únicos da Andrea, que a Bruna não vai roubar meu chocolate, que a Vitoria não vai chorar de medo em coisas engraçadas, que a Mel não vai me derrubar no chão com beijos, que eu não vou abraçada com a Laurinha em todas as montanhas russas da minha vida. Não só não vou esquecer, como vou lembrar sempre de vocês. Muito obrigada por tudo. Vocês colocaram ritmo no meu nome.

domingo, 19 de junho de 2011

Sobre a Alice que correu do coelho



Ela sabia que era pedir demais. Sempre soube. Mas andava na expectativa de estar errada. De não ser assim tão difícil, afinal.  Queria, desesperadamente, estar enganada. Gostaria de acreditar que o problema estava nos outros, então bastava o príncipe encantado aparecer que tudo se encaixaria. Ela pediu demais. E por saber que pedia demais, foi embora. Fugiu calada, como sempre fez e continuaria a fazer. 
O problema estava com ela mesmo. Chorou pela descoberta da culpa. O filme acertou, cada um tem  a vida amorosa que quer. E ela deixava para trás toda a sorte que invejava os meros mortais em busca do amor verdadeiro. Ela procurava diversão , em seu sentido mais puro: mudanças, diferenças.  Na verdade, ela não procurava por nada. Nem precisava. As coisas simplesmente davam certo para ela. Certo demais. Seu encantamento tinha prazo de validade e quando esse se esgotava, apenas restavam os cacos do que poderia ter sido um sonho. Quando as coisas dão certo elas geralmente param aonde estão, em time que está ganhando não se mexe , certo? Terrivelmente errado aos seus olhos. Taí tudo que poderia existir de errado no mundo. Parar.  Ela se sentia presa no comodismo, sufocada na rotina, e fugia calada, como sempre fez e continuaria a fazer. 
Mas Alice não fugia dele. Ela fugia de tudo que remotamente podaria sua liberdade. Fugia de qualquer obrigatoriedade de comportamentos. Fugia do que lhe parecia um padrão patético do que seria sua vida se se curvasse às expectativas sociais. Fugia de compromisso e responsabilidade. Fugia dela mesma e de sua vontade de abrir mão de uma coisa qualquer por outro que não fosse ela. Era extremamente egoísta, sim, como se pode perceber. E odiava isso mais do que qualquer outro traço defeituoso de sua personalidade. Mas nada conseguia fazer. Era intensa demais para refrear qualquer sentimento que fosse. Mesmo que esse lhe causasse tanta dor, como de fato causava.  Ao mero sinal de que o rio e o homem eram os mesmos, surgia esse pânico dentro dela, um desespero genuíno de que as coisas estavam no lugar. Ela gostava do desarrumado, da loucura, da indecisão, da imensidão.
 E fugiu calada, mesmo com um mundo de ideais ridículos e filosofias baratas gritando dentro dela. Fugia calada como sempre fez e continuaria a fazer.


sábado, 21 de maio de 2011

A Bela e o Fera






A Bela não era assim tão bela, mas algo naquela menina chamou sua atenção. Talvez seu sorriso despreocupado, sua atitude desajeitada  ou um brilho no olhar que ele ainda não havia enxergado nela. Mandou-lhe um recado que terminava com um displicente “amo você”. Bela franziu a testa e surpreendeu-se com a espontaneidade do sentimento. Até então apreciara os breves momentos de companhia do Fera , sem perceber nele nada além de uma simpatia natural das grandes criaturas. Deixou-o se aproximar aos poucos, trocaram inúmeras cartas enquanto a viagem do Fera impedia seus encontros. Após um longo tempo, ou assim pareceu à moça, o garoto venceu sua timidez e declarou-se apaixonado.
Os dois passaram semanas juntos, se divertindo, aprendendo a se comportar agora que eram dois. Especialmente sendo tão diferentes. Todos viam Bela como uma mulher inteligente, bonita, simpática e responsável. Todos viam Fera como um homem ignorante, feio, bruto e irresponsável. Diziam que eram nada parecidos, um homem como o Fera não merecia uma mulher como Bela. Ela escondia dele os rumores, ele escondia dela seus pensamentos.
Ela brigava com todos de fora, não era nada do que falavam e sim determinada, sabia o que queria e queria o Fera. Se apaixonou perdidamente. Por tudo que ele era com ela e os outros nem desconfiavam. Ela via nele um menino doce, carinhoso, inteligente, divertido e que merecia as melhores coisas do mundo só por ter um coração maior que tudo. Seu único problema era não enxergar nada disso. Em sua cabeça, era apenas o que os outros pensavam dele. Pura e simplesmente uma fera. Acreditava que atrapalhava Bela e começou a se convencer que poderia facilmente ser feliz sem ela. Uma fada astuta o ajudou a se convencer disso e disse a ele para se afastar da Bela. Assim o Fera fez, abandonou Bela aos poucos e passou a dedicar sua alma à fada sem coração.
Bela chorou por noites e noites pela morte de seu mais puro amor. Aprendeu todas as lições, teve raiva da fada, e mais algumas noites chorou pela ausência do Fera. Com o tempo, Bela se acalmou, aceitou tudo e perdoou os dois, afinal, a vida faz isso mesmo. É melhor sofrer do que nada sentir. Alguns anos depois foi convidada para o casamento da Fada e do Fera.
Quando lá chegou, viu o Fera ansiosamente esperando a Fada. O brilho de seu olhar mostrava uma devoção que só perdia para os olhos da Bela pousados no Fera. Não que ainda o amasse, porque, de fato, há muito alterou seu sentimento. No entanto, tinha para com ele uma gratidão, estranhamente cultivada, por ter a ajudado a se transformar na mulher que era agora e que, essa sim, amava ser. Sua admiração ultrapassava quaisquer barreira que a Fada havia posto entre eles. Para Bela, o Fera não era aquele que havia a feito sofrer, mas aquele que a incentivou a quebrar todos os muros de sua mente, aquele que estava ao seu lado no momento mais mágico de transformação de sua identidade.
Bela não conseguiu se aquietar a partir do momento que viu a Fada. Ela não tratava o Fera como ele merecia. Seus olhos brilhavam de gana, não amor. No momento em que o Fera entregou à Fada seu grande e puro coração ela fugiu e nunca mais apareceu, confirmando os piores temores de Bela.
O Fera ficou completamente arrasado e derrotado. Envenenado com a ideia que a Fada tinha dele, não conseguia mais lutar para se tornar tudo aquilo que Bela sabia que ele poderia ser. Por muito tempo o Fera não se aproximou de ninguém, consumido pela dor e a resignação. Bela, que não mais suportava saber seu sofrimento, procurou-o em todos os lugares de refugio do velho amigo. 
Quando o encontrou, quase não o reconheceu. Estava completamente diferente daquele homem por qual se apaixonou e parecia nem ligar. Bela ficou ao seu lado por dias e dias, ambos em silêncio, sabendo o que cada um queria dizer, mas nenhum se atrevendo a pronunciar. Até que Bela decidiu o que faria. Aquele homem nunca seria o mesmo se continuasse sem coração.
Bela arrancou um pedaço do seu coração e, com o mais puro desejo, entregou-o ao Fera. Inicialmente, ele tentou rejeitar, não teria o direito de estragar ainda mais a vida de Bela. Ela, porém, o convenceu a aceitar:
-         "Uma parte do meu coração sempre foi sua, só estou te devolvendo tudo que esqueceu quando foi embora. Agora use todo amor que resta dentro de você e torne-o seu. O meu está intacto, como sempre, não se preocupe."
E assim, a Bela se levantou e foi embora. O Fera, muito devagar, foi refazendo seu coração, reaprendendo a ser o homem que a mulher que salvou a sua vida sempre acreditou que ele fosse. Um nunca mais ouviu falar do outro. Suas histórias seguiram rumos contrários e não mais se encontraram. Mas o modo com que suas vidas se tocaram foi tão magico que nunca se apagou. Mesmo que seus nomes não passassem na mente um do outro, suas almas tinham pedaços inseparáveis. Ao final, afinal, a Bela tinha um tanto de fera e o Fera um tanto de belo.

sábado, 9 de abril de 2011

Querido,

Eu sinto muito. Sinto muito por destruir esse sentimento tão lindo e nobre que você tem. Sei bem que está certo, não tenho coração. O pequeno, frágil pedaço que me restou usei para esmagar o seu. Não friamente, receio informar. Embora afirme que meu petit é feito de gelo, ele na verdade vive em chamas. Apenas não havia se aquecido diante da intensidade de sua demonstração. Foi questão de determinismo, por mais que tentasse sentir essa felicidade, e infelizmente tentei, nasci com medo de eventos muito dramáticos. Escondo-me em uma caverna escura para fugir do fervor do sol. Meus passos são de formiga, gosto de me acostumar e apreciar cada nova paisagem. E esse também é um problema congênito, novas paisagens. Aprendi, desde cedo, a detestar rotinas e enjoar até dos meus próprios gostos. Assim, sem direito algum, desfiz sua rotina e exigi, em silencio, mudanças diferentes a cada ano. Não se é possível, entretanto, modificar toda uma tradição, a essência de uma paixão. 
Mas minhas desculpas são inúteis diante do mal que causei. Alguém, um dia, destruiu minha sensibilidade e arruinou meu equilíbrio, minha estabilidade. Eu fui essa pessoa para você. Vocês. O Natal nunca foi do meu gosto: sempre vermelho, chaminés, presentes e renas. Deveria ter me mantido distante. Desculpe por invadir esse mundo sendo tão alheia a ele a ponto de anulá-lo repetidamente. Estava apenas procurando a minha própria solidão, que, afinal, não é tão solitária assim. Não mereço tantos perdões, nem ao menos um, e principalmente não o seu. E mesmo assim, antes de pedí-lo, já o tinha. Você é realmente especial, vai encontrar o que precisa sem procurar muito além do pinheiro do seu jardim. Pendurará meias na lareira, mandará cartas felizes e distribuirá os melhores presentes, sem se lembrar da minha existência esverdeada manchando seu calendário. Estarei por aqui, em meu mundo estranho, onde todo Natal é Halloween. 

- Sally Grinch



domingo, 27 de março de 2011

Wake Up Call



Eu não acredito em muita coisa. Para mim, não existe destino, predestinação, ou vida depois disso aqui. O mundo é resultado de uma série de eventos aleatórios assim como qualquer acontecimento, por pior ou melhor que este seja. Acredito que o universo está em constante expansão e retração. Que não importa o quanto ou quem diga o contrário, dois mais dois é igual a quatro.
Talvez por isso eu relativize os problemas. Mesmo que você tenha certeza que sua vida é horrível, tem coisa muito pior. É o argumento mais furado do mundo, é clichê e ninguém realmente acredita. O ego das pessoas é imenso e nossos problemas são sempre maiores que o mundo. Contudo, é uma das poucas coisas que acredito veementemente.
Não porque eu seja altruísta, uma alma maravilhosa e caridosa. Pelo contrário. Meu ego é ainda maior e eu sinceramente acredito que minha vida é muito, mas muito mais importante que qualquer problema. Para começar eu estou viva, e do jeito que vejo o mundo, isso não só é raro, mas é uma sorte do caralho. Os dinossauros tiveram que morrer, tantas guerras tiveram que acontecer, um monte de gente teve de ser torturado, mais outro tanto teve que transar e amar e odiar e viver só para que eu e mais só 6 bilhões de pessoas estivessem vivas hoje.
Por acreditar em tudo isso eu sou extremamente otimista. Aprecio profundamente a sorte que eu tive por poder estar aqui, nessa cidade que eu não gosto, perto de pessoas que me irritam, vendo gente morrendo de fome, podendo ser atropelada a qualquer minuto, num mundo que tem um sistema econômico que me enoja. Isso é brilhante. Faz-me enxergar tanta coisa que muita gente, a maioria das pessoas, simplesmente perde.
O quanto o pôr do sol é maravilhoso até mesmo na cidade. O quanto são profundos os olhares das pessoas. A mágica de um beijo com sentimento ou sem consentimento. O poder de um abraço brutal e desajeitado. O encanto de um término, eles sempre são inícios disfarçados. O quanto é engrandecedor amar, ser amado e perder. Depois amar, ser amado e perder de novo. Como é fascinante brigar, gritar, chorar, quando no final restam risos. Quão essencial é rir de si mesmo, dançar sozinho no seu quarto com a música no último volume ou no meio da rua em frente a uma multidão com a música no fone de ouvido. O quanto é realmente necessário ligar o foda-se para ser verdadeiramente feliz. Quão bagunçados e complicados são os relacionamentos, só porque eles valem à pena. Como é revigorante apaixonar-se perdidamente por um sorriso, um livro ou um estranho na rua. Enfim, apaixonar-se pela vida. Levantar da cama todos os dias não só pensando, mas, finalmente percebendo, que isso tudo, de um jeito um tanto quanto torto, é perfeito exatamente como é.

ps.: E isso é só o começo, porque 
Todos os dias quando acordo
Não tenho mais
O tempo que passou
Mas tenho muito tempo
Temos todo o tempo do mundo"
Legião Urbana

sexta-feira, 18 de março de 2011

Atenção!! Urgente!!


Amanhã, dia 19/03/2011 vai ser a maior lua cheia em 18 anos!! A lua estará mais próxima da Terra, fazendo com que fique ampliada!!
Divulguem!!
Não deixe ninguém perder isso!!

beeijos
ps.: sei que estou suuper desatualizada, mas é que este vem sendo um período de bloqueio artístico ;P
vai passar rápido, prometo!!

quarta-feira, 23 de fevereiro de 2011

Schön


Você é uma pessoa linda. Eu não saberia te descrever melhor que isso. Seus cachinhos dourados e olhar gentil encantam desconhecidos, desarmam estranhos. E são apenas o começo. Você é uma infinidade de encantos. Uma constelação de atributos. Você é simplesmente livre da decadência humana e parece nem perceber. É tão, tão forte e lutadora que quem olha nem nota. Porque você não joga os joguinhos do universo, você é muito superior do que os dados e roletas. Sua sinceridade chega a ser punitiva, se alguém tenta te machucar de alguma forma, no caso de sucesso, nunca merecerá ser tão feliz quanto você. Eu não acredito em destino ou qualquer dessas coisas que eu poderia agradecer por ter você em minha vida. Foi uma maravilhosa seqüência de eventos aleatórios que geraram o acaso de nossas mães se encontrarem um dia. Eu tento compensar isso sendo a melhor amiga que eu consigo, para que você continue sendo minha irmã, mais que de coração, de alma. O único agradecimento justo que posso fazer é a você, por ser a pessoa linda que é. Seu sorriso me dá a certeza que de alguma forma esse mundo doido, de vez em quando, acerta muito.

ps.: Told yah. Legendaaary *-*

À rosa atrás da metade de seu olho verde



Assim mesmo
Um espelho
Um fantasminha com mãos, braços, ouvidos,
E palavras
Rosa completa
De espinhos a sabor
Acolhe e espeta
Mas quem não chamaria de rosa?
Se é rosa por prazer e pela dor?
A infinita seiva contagia
E as pétalas intocáveis protege
Tantas pétalas, incontáveis.
Como não ser mais uma?
Quando cada uma é única, especial?
Mais então seria a rosa
Seria não, é
E se tem outro nome perdoe a mim rosas
O elogio é mútuo
Pois querem, bem sei,
Ser rosa como essa rosa é rosa
Na cor e no coração