segunda-feira, 27 de setembro de 2010

Sobre suicídios e amores ecológicos sem lógica

Olhava para os lados. Só conseguia ver a terra vermelha. E mais nada. Sempre fora um lugar inóspito. Não era grande novidade. Mas sempre achara algo a que se interessar. Pessoas perdidas, como eram curiosas aquelas criaturas. Achavam que estavam no lugar errado. Só que nunca diziam onde pretendiam chegar. Concluiu então que não deveria ter um lugar certo. Se houvesse, ele teria que concordar, certamente não era aquele.
Infelizmente não era uma escolha. Não tinha como se locomover. Restava-lhe apenas esperar. Esperar algo acontecer.
O dia estava muito seco e ensolarado como sempre. Podia sentir a terra tremer, porém. Um carro quem sabe. Mas não ficariam por muito tempo. Não era um carro, afinal. Era uma moto. A moto parou a pouca distância dele. O motorista desceu. Tirou o capacete.
Era uma mulher. Seus longos cabelos ondulados eram da cor da terra. Usava uns óculos escuros pretos, calça jeans e regata branca. Chegou mais perto dele. Pegou na mochila uma máquina fotográfica e tirou várias fotos. De longe. De perto. Em pé. Deitada. Com as montanhas. Focando só nele.
Ele não havia experimentado essa sensação antes. De se sentir importante. A mulher colocou a máquina de volta na mochila. E começou a andar em sua direção. Ela tocou seus espinhos. Ele sentiu que estava no lugar certo. Ela também. Ela sorriu. Virou as costas. Colocou o capacete. Foi embora.
Ele, extasiado, olhou a placa da moto. Tinha as letras L-A-S-V-E-G-A-S. Mas ele, claro não sabia ler. Agora, só podia ficar parado, mas não podia ficar parado. Estava feliz. Pela primeira vez. Queria continuar feliz, importante, naquela terra de ninguém. Abriu seu estômato. Perdeu água e mais água sem se importar.
Dias depois a mulher voltou com um grupo de pessoas. Queria mostrar-lhes o cacto mais lindo, alto e impressionante que já vira. Quando lá chegou só restavam os restos. Ele estava seco e morto. Ela ficou triste. Tirou mais algumas fotos. Ganhou alguns prêmios pelas fotos do cacto.
Até hoje, se lhe perguntam sobre o cacto, conta essa linda história que tinha na cabeça:
“Ele amava muito a lua sabe, mas o sol tinha inveja e não os deixavam se ver por muito tempo. Ele cansou de esperar um dia e se vingou do sol, fazendo com que ele próprio o matasse. E foi, enfim encontrar a lua. Dá pra ver à noite se você apertar bem os olhos.”

segunda-feira, 13 de setembro de 2010

Combustão




-Porra! - grita e uma taça cai espalhando vinho pelo chão de madeira da sala. O outro levanta assustado.
...
Duas taças vermelhas se erguem em um brinde “Nunca mais alegria sem dor”. Quando se encontram, encontram-se também os olhares. Paixão indiscutível e arrebatadora.
...
-O que aconteceu?- pergunta
-A rotina aconteceu, o tempo passou, o vinho esta sem efeito.
- Você me ama e é infeliz?
- Pior. Meu amor é correspondido e nós dois somos infelizes.
...
Andavam pelas ruas como heróis secretos. Sabiam que a chama não era eterna. Pretendiam torná-la, porém, imortal. As mãos se entrelaçavam numa luta contra o resto do mundo. Não eram apenas pelo amor ou pelo sexo. Eram pela vida. O último e o primeiro.
...
-Eu te amo muito.
-Eu sei, e daí?
-Você me ama muito.
-Eu também sei disso. E você esta me entendendo.
-Amor recíproco infeliz?
-O final não é tão divertido quanto o começo.
...
Compartilhavam teorias sobre o amor, o sexo e a vida. Mudavam sempre de idéia. Não conversavam sobre o futuro, viviam o presente. Aproveitavam seu curto prazo de duração.
...
-Podemos fazer outro final.
-Claro. Um em que nós dois sejamos felizes.
-Separados? Você sabe que é impossível.
-Não sei não. Nem você.
-Eu sei. Vamos nos casar!
-Não! As pessoas se casam por amor e se separam por uma assinatura de TV à cabo.
- Então você está terminando comigo por causa de um vinho velho, meia dúzia de teorias furadas e uma assinatura de TV à cabo?
-Não. Nós vamos nos separar porque o amor não é o suficiente.
-Por que tem que ser assim? Por que a necessidade de obstáculos?- disse para si, já não mais discordando.
-Não sei. Talvez porque se o universo conspira a nosso favor a tendência natural é começarmos a conspirar contra o universo.
 ...
Promessas nunca eram feitas já que promessas de amor nunca são cumpridas. Sua paixão pela vida e um pelo outro os impeliram a fazer uma única: só dure o tempo que mereça.
...
-Estaríamos só cumprindo uma promessa.
-Não merecemos ser infelizes.
-Eu te amo demais para isso.
-Eu te amo demais para isso.
Um beijo ardente queimava seus corações enquanto o universo, furioso, derrubava a vela no chão, renovando o vinho, já velho e melhor do que era há três anos. O último e o primeiro.

quinta-feira, 9 de setembro de 2010

eu te amo tanto, tanto.




Estou de novo viajando pra ver alguém que amo deitado, gelado, coberto de flores mortas. Eu não sei explicar a dor ou quaisquer sentimentos que a acompanhem. É estranho ainda quando penso que chegarei a BH e não vou vê-lo no portão de embarque esperando para nos abraçar, pegar as malas e ir mancando até o carro.
O avião agora balança com os soluços da minha mãe, que perdeu o pai. E com os abraços de consolo do meu pai que acaba de perder seu outro pai e melhor amigo, apenas 8 meses depois de perder o primeiro.
Nunca torci tanto para o avião não pousar. O meu lugar preferido em todo mundo exibe suas luzes pela janela e eu quero que o avião permaneça no ar até que o nosso chão volte. Isso não pode estar acontecendo.
68 anos. Uma mãe, uma esposa, quatro filhas, um filho, cinco irmãs, cinco irmãos, dois netos, quatro netas, três genros, uma nora, tantos tios, compadre, comadres e sobrinhos, incontáveis amigos e amigas. Uma vida inteira pela frente. Caixa fechada de sapato, meias novas, um lago mal acabado, e inúmeros planos não iniciados. Uma vida inteira para trás. Orgulhos de seus filhos, netos e genros (que eram também filhos), de sua esposa. Pescarias, viagens, cavalgadas, cachaças e filmes. No fim, o encontro de tudo numa sala grande, pequena demais para a família e os gritos desesperados. Era apertado e não coube todo mundo. Assim como não coube tanto amor. John Lennon disse que no final o amor que você dá é igual ao amor que você recebe. Acho que foi por isso que ele se foi. Mesmo amando tanto, tanto quanto ele amou, se ficasse mais um pouquinho só, ele não conseguiria corresponder o amor que causava nas pessoas.
As saudades doem demais em mim. É como um buraco imenso no peito que parece que nada vai preencher. Mas eu vou tentar encher de lembranças e histórias. Vou colocar a imagem dele acordando os netos com uma bacia de batata ruffles do vovô Jordano na sala e quatro copos de coca. Vou guardar minha herança, um caderno com os 572 filmes que ele assistiu em três anos de juventude e a carteirinha de torcedor inabalável do Galo com a camisa do time. Vou lembrar da imagem dele sentado no sofá do Canta Galo, cortando uma laranja e rindo da Espanha ser campeã do mundo. Vou gravar a sua voz me contando repetidas histórias de como machucou a perna no arame farpado, e o que aconteceu que deu bicho no gesso quando quebrou a mesma perna, e você, vô, cantando Menino da Porteira pra mim. Não sei se você não sabia a música inteira ou se eu nunca ficava acordada até o fim, mas por algum motivo eu demorei a descobrir que o menino morria no final. Mas ele morre. E você morreu.
Agora eu não sei como a gente vai conseguir viver sem você. Desconfio que aquele coração gigante seu não parou de bater simplesmente. Tenho certeza que todo amor lá de dentro vai se espalhar por todos que sentem a sua falta e isso vai nos dar força pra não deixar seu coração parar de bater. Nunca.