quinta-feira, 26 de agosto de 2010

911




Sentia ondas vermelhas atingirem suas costas em intervalos cada vez mais curtos. Olhou para trás e viu as saídas completamente obstruídas. Abaixou a cabeça e viu o chão. Não o que ainda restava sob seus pés, mas o que estaria lá embaixo apos os noventa e quatro imediatamente após ele. Voltou a contemplar a janela. O céu estava claro, o tempo bom, entre verão e outono. Ele adorava terças-feiras. Imaginou a neve, que não existia, na rua e um anjo sendo formado ao se deitar de braços esticados. Pensou em sua mulher no dia do casamento, tão linda. Sentiu-se um homem de sorte por tê-la. Também por ter tido tempo de ligar 55 segundos antes e ouvir sua voz na secretária eletrônica: “Oi, você ligou para Clare. Agora não posso atender, mas espere o beep e já sabe o que fazer.”. Sentiu-se sortudo, de novo, por poder ter dito: “Te amo muito” antes do celular ir para as chamas. Não consegui pensar na vida que ainda teria para viver. Não conseguia pensar na vida que poderia ter vivido antes. Não agora. Não mais. Nunca mais. Olhou novamente sobre o ombro e a fumaça o alcançava. Não queria terminar desmaiado no 95o andar consumido pelo calor. E só conseguia pensar no chão. Agora que seu tempo se esgotava e ele já tinha pensado em tudo que queria pensar por último, ele sabia o que fazer. Havia se decidido pelo método Peter Pan. Concentrou-se num pensamento muito, muito feliz e pulou. Jogou-se de olhos fechados sentindo o corpo de Clare junto ao seu. O vento batia muito forte em seu rosto. Se abrisse os olhos iria ver outro aventureiros, pedaços de concreto, fumaça e mais fogo. Mas o vento parecia uma brisa leve, e ele, na verdade, estava em Santorini bebendo um bom vinho, olhando o mar. Além disso, porque deveria se importar? Ele voava. Voava muito e voava longe. Voaria para sempre. A bomba de 144 segundos atrás, que destruiu tudo e tanto, o deu asas. E ele morreu no meio do caminho entre seu chão e o chão, do jeito que escolheu.
De braços abertos no asfalto, uma nuvem de poeira sobe formando um anjo já sem asas, entoado pelo grito desesperado de uma mulher ao telefone do outro lado da cidade.

segunda-feira, 23 de agosto de 2010

deixe o Sistema nervoso



http://multishow.globo.com/Geleia-do-Rock/Videos/_1316209.shtml
Sistema Nervoso (Matheus Torreão) - Geleia do Rock

Dorme pequenino e eu te conto um segredo
Quando gente grande quer lutar por seus direitos
Acaba numa cruz ou cozinhando num espeto

As coisas são assim porque nasceram assim mesmo
Pelo amor de Deus menino tenha algum respeito
O povo unido sempre sai ferido de algum jeito

E você insiste que o sistema é cruel e escraviza o
nosso povo
Te cuida meu filho, não deixa o sistema nervoso

Depois nós que somos tolos
Assistindo vocês todos brincarem com fogo e ter que
repetir tudo de novo...
Não deixa o sistema nervoso 

quinta-feira, 19 de agosto de 2010

Rendição



A urgência era tamanha que não cabiam em si. Pessoas com brilhos nas almas, uma ao lado da outra, mas que sozinhas seriam ofuscadas. O combustível daquela paixão era perceptível e apreciável a todos.
Sentados à mesa, se atraiam, falavam coordenados e evitavam se olhar. Esse desastre, que ocorreria algumas vezes ao longo do dia, era inevitável e arrebatador. Quando o olhar de um encontrava pelo caminho uma parte do outro, o sorriso se abria. Não qualquer sorriso. Aquele sorriso bobo, perdido, de quem acredita em fadas e papai Noel. Os segundos eram tão intensamente compartilhados e tão íntimos que constrangiam todos em volta.
Foi uma tarde de invejar os mais esforçados românticos e frustrar os mais convictos incrédulos. Talvez não sejam feitos um para o outro e provavelmente não vão durar para sempre. Mas por aquele átimo de sentimento, frasco de intensidade, que desviava olhares de objetos inanimados, vale a pena esquecer convenções sociais, orgulho, certo, errado e até caras metades.

terça-feira, 17 de agosto de 2010


Os poemas que não escrevi
Os textos que perdi
Morando em minha cabeça
Coçando em minhas mãos
É assim que começa
A jornada
Que está há tempos
Caminhando
Do cérebro
Ao papel

Sílvio A.