domingo, 19 de junho de 2011

Sobre a Alice que correu do coelho



Ela sabia que era pedir demais. Sempre soube. Mas andava na expectativa de estar errada. De não ser assim tão difícil, afinal.  Queria, desesperadamente, estar enganada. Gostaria de acreditar que o problema estava nos outros, então bastava o príncipe encantado aparecer que tudo se encaixaria. Ela pediu demais. E por saber que pedia demais, foi embora. Fugiu calada, como sempre fez e continuaria a fazer. 
O problema estava com ela mesmo. Chorou pela descoberta da culpa. O filme acertou, cada um tem  a vida amorosa que quer. E ela deixava para trás toda a sorte que invejava os meros mortais em busca do amor verdadeiro. Ela procurava diversão , em seu sentido mais puro: mudanças, diferenças.  Na verdade, ela não procurava por nada. Nem precisava. As coisas simplesmente davam certo para ela. Certo demais. Seu encantamento tinha prazo de validade e quando esse se esgotava, apenas restavam os cacos do que poderia ter sido um sonho. Quando as coisas dão certo elas geralmente param aonde estão, em time que está ganhando não se mexe , certo? Terrivelmente errado aos seus olhos. Taí tudo que poderia existir de errado no mundo. Parar.  Ela se sentia presa no comodismo, sufocada na rotina, e fugia calada, como sempre fez e continuaria a fazer. 
Mas Alice não fugia dele. Ela fugia de tudo que remotamente podaria sua liberdade. Fugia de qualquer obrigatoriedade de comportamentos. Fugia do que lhe parecia um padrão patético do que seria sua vida se se curvasse às expectativas sociais. Fugia de compromisso e responsabilidade. Fugia dela mesma e de sua vontade de abrir mão de uma coisa qualquer por outro que não fosse ela. Era extremamente egoísta, sim, como se pode perceber. E odiava isso mais do que qualquer outro traço defeituoso de sua personalidade. Mas nada conseguia fazer. Era intensa demais para refrear qualquer sentimento que fosse. Mesmo que esse lhe causasse tanta dor, como de fato causava.  Ao mero sinal de que o rio e o homem eram os mesmos, surgia esse pânico dentro dela, um desespero genuíno de que as coisas estavam no lugar. Ela gostava do desarrumado, da loucura, da indecisão, da imensidão.
 E fugiu calada, mesmo com um mundo de ideais ridículos e filosofias baratas gritando dentro dela. Fugia calada como sempre fez e continuaria a fazer.